Poetas pela vida

“Saiba que os poetas como os cegos podem ver na escuridão” (Chico Buarque)

Martha Ribeiro

Comemorado nesta quarta-feira, na Praça da Piedade por um grupo de moradores dessa cidade linda chamada Salvador, o Dia do Poeta reuniu ativistas, transeuntes, moradores em situação de rua e, claro, poetas, poetisas e muita, muita energia positiva, daquelas que você tem vontade de levar para casa num potinho. Para o nosso Amado, Jorge: “a poesia não está nos versos, por vezes, ela está no coração; e é tamanha, a ponto de não caber mais nas palavras”.

O Nanotrio e a sua bateria de 40kg deu o toque de Midas. Ele pesa muito! O Nano não é simplesmente um carro de som. Nem pense em chamá-lo assim. Ele ficará ofendido. O Nano é um humano digital. Uma espécie de cyborg com cara de caminhão. Mas, tem olhos, boca, ouvidos, canta e fala muito bem. Foi assim que ele empolgou todas as pessoas que estavam na Praça da Piedade.

O professor e ativista das causas sociais e criador do Nanotrio, Messias Figueiredo, a professora e cientista, Celi Taffarel, o jornalista Mateus Quevedo e os “Poetas pela Vida”, Douglas de Almeida, Tiago Oliveira, Marcos Peralta, Cacau Novaes, Carlos Verçosa, Semirames Sé, Pedro César, Ametista Nunes, Jorge Carrano, Gilberto Teixeira, Sidney Rocha, Uarlen Becker e Edinho Gouveia encheram a Praça da Piedade de esperança.

Na sua fala, a professora Celi Taffarel, explicou porque os cientistas, os poetas, os trabalhadores e as trabalhadoras se reuniram na Praça: “Precisamos nos defender. Eles querem a nossa soberania, a nossa democracia, eles querem o produto interno bruto da nossa nação”, completou.

O jornalista Mateus Quevedo emocionou com a sua fala sobre o período de fome, miséria e morte que o país atravessa: “Segundo o relatório da rede de pesquisadores da soberania e segurança alimentar, publicado em abril deste ano, mais da metade da população brasileira está em insegurança alimentar em um país que o agronegócio se diz alimentador do mundo. São 19 milhões de pessoas passando fome. Nesse momento, inclusive dentro desta Praça tem gente  nessa situação”, pontuou Quevedo que finalizou a sua fala com a poesia “Protejam as Sementes” de Ademar Bogo.

A história pode parecer sem sentido para quem não a conhece, mas os seus sinais vitais são sempre perceptíveis. O nome Piedade dado à Praça tem um motivo bastante significativo. Era ali onde os presos eram executados. Foi o que aconteceu em 1979, com os quatro líderes da Revolta dos Alfaiates. Quem fica na Praça durante o dia são as pessoas que resistem ao flagelo, à fome, à invisibilidade. Elas nos contam as suas histórias. É só emprestar os olhos e os ouvidos. Na blusa da poetisa Ione tinha escrito: “Melhor ser do mundo do que ir à igreja e pregar o ódio”. As palavras falam por si.

Só o poema “O Sobrevivente” de Carlos Drummond de Andrade, que se vivo estivesse completaria 119 anos em 31 de outubro, consegue definir o quanto essa desumanidade nos entristece: “Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade. Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia. O último trovador morreu em 1914. Tinha um nome que ninguém se lembra mais. Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples. Se quer fumar um charuto aperte um botão. Paletós abotoam-se por eletricidade. Amor se faz pelo sem-fio. Não precisa estômago para digestão. Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta muito para atingirmos um nível razoável de cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto. Os homens não melhoram e matam-se como percevejos. Os percevejos heroicos renascem. Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado. E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio. (Desconfio que escrevi um poema.)”.

Ter estado nesta Praça clamando por um país mais justo e menos desigual, com qualidade de vida, alimento, emprego, cultura e educação para todas as pessoas, independente de classe social, raça ou escolaridade teve um significado muito especial! Quem não foi perdeu a oportunidade de esperançar, de entrar em estado de graça e de, quem sabe, virar um percevejo heroico.

A próxima parada do trio será no Rio Vermelho, neste sábado (23). O coletivo vai se manifestar em prol da liberdade de Julian Assange, jornalista e ativista que denunciou e documentou crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos durante os conflitos no Iraque e no Afeganistão. Assange continua em Belmarsh, prisão de segurança máxima, em Londres. O jornalista Glenn Greenwald chamou a prisão de “o mais grave e mais perigoso ataque do governo dos Estados Unidos à liberdade de imprensa dos últimos cinco anos”. Sentimentos semelhantes foram ecoados por jornalistas, defensores da liberdade de imprensa e grupos progressistas em todo o mundo. Resistiremos!

 

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