Nesta quarta-feira, 11, a Bahia acordou com mais uma novidade no judiciário baiano.
O Tribunal Regional Eleitoral do estado proibiu eventos políticos presenciais como comícios, passeatas, bandeiraços, caminhadas, bicicleatas, cavalgadas, motoatas, carreatas e similares, bem como a distribuição de panfletos, folhetos, adesivos, entre outros materiais de campanha.
A RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA N°. 38/2020 modifica as regras do jogo eleitoral faltando 5 dias para as votações sob a alegação de proteção à saúde coletiva. Na norma monocrática, o desembargador Jathay Júnior fundamenta sua decisão “notadamente o Parecer Técnico COE Saúde nº 20/2020” e determina que
Art. 2o Os juízes eleitorais e a coordenadora do plano integrado de segurança deste Regional, de ofício ou por provocação, no exercício do poder de polícia, deverão coibir atos de campanha que coloquem em risco a saúde coletiva, violem as regulamentações sanitárias, ou as disposições deste normativo, podendo fazer uso, sempre que necessário, do auxílio de força policial para coibir ilicitudes.
Esta resolução, do jeito que está, põe fim às eleições para a prefeitura de Salvador por uma razão muito simples. A última pesquisa, realizada pela Paraná Pesquisas entre 2 e 5 de novembro, indicava o candidato de direita Bruno Reis (coligação Democratas, PDT, Republicanos, MDB, SD, Cidadania, PL, PSL, PSC, Patriota, PSDB, PV, DC, PMN e PTB) como vencedor na disputa com 56,9% dos pesquisados, enquanto Major Denice (PT) teria 13,5% e Olivia Santana (PCdoB) e Sargento Isidório (AVANTE) empatados com 5%.
O primeiro candidato, com forte apelo nas obras da atual prefeitura e com tempo muito maior de TV, tem todas as condições de se manter neste patamar com ou sem campanha de rua. Por outro lado, as 3 candidaturas seguintes, candidaturas pretas, não dispõem de tempo de TV nem recurso de campanha como alternativa às ruas.
A campanha “corpo a corpo” é recurso de quem não tem acesso às estruturas políticas consolidadas e, em Salvador, seria a saída para as 3 candidaturas que disputavam um possível segundo turno com o candidato da situação.
A resolução relâmpago ataca justamente a campanha “corpo a corpo”. Deste modo, o TRE-BA consolida antecipadamente a vitória do candidato de ACM, o neto, porque proíbe que a oposição continue em campanha.
É lamentável ver se manifestar, mais uma vez, no judiciário baiano decisões contrárias à população negra, formada de miseráveis que estão nas periferias, e periferia em Salvador não significa “nos cantos” da cidade. Grandes favelas como Boca do Rio, Nordeste, Saramandaia, Santa Cruz e Vale das Pedrinhas estão no centro da cidade. Essa plebe que às vezes bem dorme com medo de ser morto pelas milícias por falta de uma proteção em sua casa. Decisões como aquela que proibiu um povo quilombola de beber água do próprio rio que dá nome ao quilombo, o Rio dos Macacos. Não pode ser coincidência que somente essas pessoas sejam prejudicadas. Não foi por essas e outras que o IPRAJ foi extinto?
É imperativo lembrar que há dois anos nós tivemos eleições presidenciais e nelas três milhões de pessoas foram proibidas de votar. Por causa de uma invenção providencial: a biometria. Não se viu nenhuma manifestação dos TRE`s nordestinos a favor dessas eleitoras e eleitores. Naquele momento o processo democrático já havia perdido a lisura porque proibiu os votos dos analfabetos digitais, justamente os nordestinos, num reduto democrático contra o então candidato Bolsonaro.
Tivemos há poucos dias um showmício no bairro do Lobato com Léo Santana. Ele não cantou, mas nem precisava porque o nome Léo Santana é o “gigante” e o ACM, o neto, utilizou o artista para inaugurar uma pracinha no Lobato em plena campanha eleitoral. Não bastasse isto, colocou o nome do artista vivo, o que é proibido segundo o próprio ACM, em sua “live” direto da pracinha.
A prefeitura de Salvador teve 8 (oito) anos para descobrir que existia o bairro do Lobato, mas resolveu, somente na campanha eleitoral, aparecer por lá, todo desconsertado, para alisar uma placa onde se lia “Praça do Gigante”, uma praça menor que quaisquer das mansões do artista. Onde estava o TRE-BA durante aquela aglomeração impulsionada pela presença do “artista internacional”, nas palavras do próprio gestor municipal?
Não posso deixar de fazer uma menção curiosa. É que o Parecer Técnico COE Saúde nº 20/2020 datado de 22/09/2020 não proíbe nenhuma atividade de rua. Ao contrário, traz orientações de como proceder em “comícios; passeatas; carreatas e reuniões”, a exemplo de “Evitar aglomerações; Obrigatoriedade do uso de máscaras; Evitar a participação de idosos, gestantes, crianças e pessoas portadoras de comorbidades em atos presenciais; Espaços preferencialmente abertos e que permita a circulação de ar”… em outras palavras, a Resolução se baseia em premissa falta pra se chegar à conclusão, em 1 e 1/2 lauda, de que é proibido fazer campanha de rua. Onde a Carta Magna de 1988 autoriza o estado de exceção de surpresa e sem fundamento?
Claro que todos devemos ter responsabilidade com a pandemia, mas é uma responsabilidade de 8 meses, quando ela começou. Talvez a resolução fizesse sentido se publicada na pré-campanha, mas acordar num belo dia de sol desta quarta-feira com uma determinação surpresa não parece uma proteção às pessoas.
A razoabilidade não está em nenhuma parte desta Resolução, quer porque se baseia num Pacecer que não recomenda quaisquer suspensões; quer por não haver fato novo que justifique a mudança emergencial de rumo nas campanhas em curso. O embargador não pode ter descoberto a pandemia nessa semana.
Era nesse momento que o TER-BA deveria, ao contrário de proibir, recomendar que as pessoas fossem, com segurança, para os parlamentos de rua debater as questões das cidades num momento em que as vísceras do estado brasileiro se põem à mostra com um executivo federal que ameaça até os EUA, cuja consequência poderá ser a morte de milhares de pretos nas trincheiras suicidas compulsórias.
O PCdoB, PT, Rede, Podemos e PP, se manifestaram em nota conjunta criticando a decisão do TRE-BA afirmando que “A resolução não levou em conta dados de organizações sanitárias e sua aplicação pode alterar resultados e gerar desequilíbrios na disputa eleitoral com prejuízos à população”.
Não podemos comemorar a liberação, pelo TRE-BA, de carreatas com até 60 veículos por 2 motivos simples: Não faz nenhum sentido para o controle da pandemia a liberação de 60 ou 600 veículos e, além disso, 90% das proibições estão mantidas no decreto do Embargador.
Estamos cada vez mais convencidos de que o estado judicial, principalmente na Bahia, não favorece a democracia. Continuamos com o IPRAJ de Antonio Carlos Magalhães, travestido de sua extinção e ditando os rumos do estado mais preto do Brasil. A Bahia de todos os brancos.