Nada poderia representar melhor o coração inflamado do carioca do que unir Vinicius e Mart’nália. Essa intensa preguiça para tudo o que não seja paixão amorosa e criação artística faz do mero anúncio de um álbum dedicado por ela à obra dele um vislumbre do essencial da alma do Rio
Amparada nos arranjos sempre elegantes de Celso Fonseca em parceria com o saudosíssimo Arthur Maia, a voz há um tempo rasgada e suave de Mart’nália, pé do nosso samba, traduz o amor pelas mulheres, a compaixão pelos desfavorecidos, a impaciência com os medíocres, tudo o que é motivação para os versos sempre tão bem construídos de Vinicius, numa linguagem íntima porém desacorrentada.
Os arranjos estilizados no gosto do pop moderno pós-bossa nova, pós tropicalismo, pós clube da esquina e pós rock dos 80 são menos um ninho onde a voz se aconchega do que uma bela touceira de onde salta um bicho arisco. Vinicius, que não era cantor, abre o repertório saudando e sendo saudado no “Samba da Bênção”, expondo o método. Mart’nália pega a chama, responde, e mantém a cabeça do bicho fora da moita. Quando, em “Insensatez”, Carla Bruni contribui co m um canto cultamente bossanovístico, há uma unidade formal que sublinha a beleza da canção e se encaixa na folhagem leve da touceira.
É canto excelente e comovedor. O que faz ressaltar o que há de molecagem, soltura, Vinicius em Mart’nália, quando esta volta a assumir o tema. “Tonga da Mironga”, “Maria vai com as outras”, “Um pouco mais de consideração” têm isso de modo óbvio. Em “Minha namorada”, “Sabe você” ou “Você e eu”, a malandragem envolve-se, sutil, no romantismo, no protesto, na obstinação.
Em tudo, Mart’nália traz um Vinicius vivo, arranhado apesar da lisura – e sempre feliz nos lamentos. O Rio, mais uma vez, agradece a ela – e o Brasil, uma vez mais, agradece ao Rio Mart’nália Vinicius de Janeiro. Daqui da Bahia, minha gratidão enorme se estende à presença da minha terra na formação da poesia/música de Vinicius, tão comovedoramente representada pela declamação do Soneto do Corifeu por minha irmã Maria Bethânia e pela entrada de meu amadíssimo (quando éramos novinhos eu o chamava de “meu noivo”) Toquinho, na inesquecível composição que ele fez junto ao poeta sobre lugar sagrado de Salvador. O que quase me dá o direito de concluir com Bahia este texto sobre obra tão carioca. Mas Rio. E também posso chorar com a voz de Martina por toda a minha vida. Rio de novo.
Serviço: Mat’nália canta Vinícius de Moraes
Dia: 18 de maio (sábado)
Início: 21h
Local: Teatro Castro Alves
Quanto:
R$ 140 (inteira) e R$ 70 (meia), das filas A a W
R$ 110 (inteira) e R$ 55 (meia), das filas X a Z8
R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia), das filas Z9 a Z11
Classificação indicativa: livre