Renato M.E. Sabbatini (*)
A integração e a interoperabilidade dos dados de saúde tornaram-se recentemente, na maioria dos países, um dos principais objetivos dos sistemas informatizados de apoio e documentação das atividades nesta área. O motivo é que existe uma diversidade gigantesca de sistemas de diferentes desenvolvedores comerciais e não comerciais utilizados pelos provedores de serviços médicos e de saúde, mas que geralmente não se comunicam entre si. Com isso, o prontuário eletrônico do paciente, quando existe, não é centrado na pessoa e é extremamente fragmentado, dividido entre os diferentes provedores, que são os médicos, dentistas, outros profissionais do setor, clínicas de diagnóstico, hospitais, governo e planos de saúde. Para completar essa situação catastrófica e insustentável, a maior parte da informação – 80% no Brasil – está em papel, filmes ou outras mídias físicas, totalmente inacessíveis aos sistemas eletrônicos, o que torna a informação acerca de um paciente bastante incompleta, na maioria dos casos, ou altamente redundante e obsoleta, em outros.
O custo dessa falta de integração de dados é altíssimo, tanto em vidas humanas afetadas por erros médicos quanto em desperdícios no sistema de saúde como um todo. Um exemplo gritante é a chamada interação medicamentosa que, segundo estimativas, mata mais de 50 mil pacientes por ano no Brasil. Por não haver um intercâmbio de informações entre os diferentes provedores sobre quais medicamentos um determinado paciente está tomando, os prontuários eletrônicos não têm capacidade de detectar automaticamente potenciais interações agonistas ou antagonistas toda vez que um novo medicamento é receitado.
A e-saúde (“e-health”), saúde digital, ou mais apropriadamente chamada de saúde conectada, é a solução proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para por fim a essa situação que causa tantos males. O objetivo estratégico é conectar todos os softwares e dispositivos por meio das redes computacionais cabeadas e sem fio, de modo que as informações e dados sobre os pacientes – e sobre outros aspectos da operação global de um sistema nacional de saúde, tanto na esfera pública quanto na privada – possam ser intercambiadas e integradas, independentemente dos variados e heterogêneos sistemas identificados de registro eletrônico de informações. Isso deve ser feito de forma segura, preservando e protegendo a confidencialidade e a privacidade dos dados pessoais dos cidadãos.
O Brasil não é exceção e, desde 2017, tem um ‘Plano Estratégico Nacional de e-Saúde’ calcado em um modelo de interoperabilidade, mandado e regulado pelo Governo Federal. O intercâmbio, a integração e a interoperabilidade dependem estritamente da adoção de padrões consensuais de informação em saúde, que podem ser funcionais, para a troca de mensagens entre sistemas; semânticos, para a representação de informações, tais como terminologias e codificações; e operacionais. Graças à uma portaria do Ministério da Saúde de 2011, esse processo foi iniciado mediante a indicação e adoção gradativa de muitos desses padrões, e desde então, numerosas iniciativas têm sido promovidas pelo Governo Federal por meio do Ministério da Saúde e do Datasus, a empresa estatal vinculada ao Ministério que responde pela implementação dos sistemas que apoiam a interoperabilidade.
Entre esses programas está o ‘Conteúdo Mínimo de Dados de Saúde’ (CMD); o ‘Registro de Atendimento de Saúde’ e ‘Registro de Alta da ABNT’; o barramento ‘SOA-SUS’ (Service Oriented Architecture), que implementa o o cadastro eletrônico do CNS (Cartão Nacional de Saúde) por meio dos padrões internacionais IHE PIX (Patient Cross-Identification) e PDQ (Patient Demographics Query) para identificação dos pacientes e intercâmbio de dados demográficos; o ‘RES’ Nacional (Registro Eletrônico de Saúde), o conjunto de softwares interoperáveis denominados e-SUS AB (Ações Básicas), Ambulatorial e Hospitalar; o ‘CADSUS’ (cadastros unificados de medicamentos, como o Horus, e de estabelecimentos e profissionais de saúde, como o CNES, entre outros) e, mais recentemente, o ‘CENTERMS’ – Centro Nacional de Terminologias em Saúde.
Muitos desses padrões nacionais seguem os padrões internacionais desenvolvidos por várias SDOs (Standards Development Organizations), como a ISO (International Organization for Standards), a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e, mais proeminentemente, a Health Level 7 International (HL7), presente em muitos países, inclusive no Brasil.
Como exemplo de grandes projetos baseados nessas iniciativas, o Ministério da Saúde lançou em final de 2017 o programa digiSUS, de informatização integral do sistema público de saúde, incluindo o PIUBS (Programa de Informatização das Unidades Básicas de Saúde), que pretende informatizar integralmente as mais de 45.000 UBS existentes no país.
Gradativamente, todos os protagonistas do SUS e da Saúde Suplementar terão que se adaptar e implementar esses vários padrões, possibilitando a implementação do plano estratégico nacional de e-saúde em suas várias metas, da forma mais completa possível. Para isso, todos terão que colaborar e aderir. Concluo incitando as empresas a colaborar neste sentido.
O Brasil ainda peca por ter poucos especialistas em padrões, interoperabilidade e saúde conectada, principalmente nas empresas desenvolvedoras, que necessitam urgentemente criar condições para a introjeção desses conhecimentos, de forma a manter a atualidade e a competitividade. Preencher essa lacuna será vital para o futuro de todos!
* Renato M.E. Sabbatini é presidente do Instituto Edumed e consultor da Plataforma Salute, do grupo Vitae Brasil; um dos maiores especialistas mundiais em tecnologias de informação e comunicação em saúde, sendo um Founding Fellow da International Academy of Health Sciences Informatics. Foi um dos fundadores e presidente da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde e um dos fundadores e vice-presidente do Instituto HL7 Brasil. É consultor reconhecido nas áreas de certificação de softwares em saúde, interoperabilidade e segurança de sistemas de informação em saúde.