Há 25 anos, em novembro de 1995, o escritor, produtor de TV, ecologista nigeriano, militante dos direitos humanos, conhecido e premiado internacionalmente, foi condenado à morte junto com outros oito ativistas nigerianos num processo judicial fraudulento. Saro-Wiwa lutava contra a degradação do meio ambiente promovida pela exploração do petróleo nigeriano, em especial a Shell, primeira multinacional petrolífera a explorar a região do Rio Níger.
Para Elisa Dassoler, pesquisadora brasileira graduada em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestra e doutora em Artes Visuais pela Universidade de Santa Catarina (UDESC), documentarista e artista visual independente, o filme “Ken Saro-Wiwa, presente!” é fruto da sua pesquisa de doutorado. Ela descobriu pela internet, o coletivo britânico Platform, e o projeto Remember Saro- Wiwa e ficou encantada com a história do líder nigeriano e do seu povo Ogoni, habitante da região do delta do Níger. Foi assim que o Racismo Ambiental passou a ser a sua principal fonte de estudo.
O termo, que surgiu nos anos 1980, nos Estados Unidos, num contexto de lutas por direitos sociais, além de estar associado a fatores como a cor da pele, também abrange questões territoriais, motivadoras de injustiças cometidas contra grupos vulneráveis. Essas violações de direitos, que ocorrem tanto no campo quanto no meio urbano têm como principais vítimas as populações negras e pobres, quilombolas, indígenas, além de outros grupos étnicos, que vivem à margem da sociedade, excluídos dos processos de participação política e econômica.
Para um país como o Brasil, historicamente marcado pela escravidão, pelo genocídio de povos indígenas e negros, pela violência no campo e pela negligência do Estado, às necessidades básicas das populações em situação de rua, o filme “Ken Saro-Wiwa, presente!” é bastante representativo. A história do escritor e ativista nigeriano, que liderou o Movimento pela Sobrevivência do Povo Ogoni (MOSOP), que há mais de 50 anos resiste às injustiças cometidas no seu país, foi retratada a partir da narrativa de familiares, artistas e militantes, que lutaram para que a sua história não fosse esquecida.
Ao problematizar e questionar o racismo ambiental, que estimula a criação de áreas de exclusão social com o objetivo de atender às demandas crescentes por recursos naturais e energéticos, o líder pacifista Ken Saro-Wiwa foi preso e condenado à morte com mais oito ativistas por um processo fraudulento movido pelo regime militar de Sani Abacha, em 1994. Para o diretor do Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro/Ba), e criador do Debate Petroleiro, Jailton Andrade, “a indústria do petróleo tem usado os quintais do mundo, países privados ou com estados corrompidos como a Nigéria, para subjugar seu povo, retirar seus direitos civis, trabalhistas e humanitários e, finalmente, destruir o seu maior bem: o meio ambiente”.
Quando faz um comparativo do filme com as formas de ativismos sociais e artísticos que objetivam acabar com ações predatórias e civilizatórias, especialmente relacionadas ao racismo ambiental, Elisa Dassoler descreve a força política, econômica e jurídica das grandes corporações multinacionais petrolíferas em conivência com os governantes do país e as centenas de milhares de ativistas e cidadãos comuns em todo o mundo, que já estão conscientes sobre a necessidade de se criar uma maneira de viver mais sustentável, sem que seja necessário escolher deliberadamente comunidades pretas e pobres para depositar rejeitos tóxicos, instalar indústrias poluidoras e excluir essas pessoas dos principais grupos ambientalistas, dos comitês de decisão, das comissões e das instâncias regulamentadoras.
Nigéria: um país em crise
Maior economia da África Subsaariana, maior produtor de petróleo e o mais populoso país do continente africano, a Nigéria tornou-se independente do Reino Unido em 1960, mas mergulhou numa sangrenta guerra civil vários anos depois. Conhecido oficialmente como a República Federal da Nigéria, o país compreende 36 estados e o Território da Capital Federal, Abuja. A ex-colônia britânica vive, atualmente, uma profunda crise econômica, financeira, social e sanitária, que se agravou com a pandemia da Covid-19.
Em setembro, os preços dos combustíveis atingiram um patamar recorde e subiu quase 15%. O custo da eletricidade e os preços dos produtos de primeira necessidade dispararam. Dos 202 milhões de habitantes, 40% vivem abaixo da linha de pobreza. O Estado administrado pelo Presidente Muhammadu Buhari não explora outras riquezas naturais e continua muito dependente do petróleo, que ainda é o principal produto de exportação do país.
O algodão deixou de ser exportado e cedeu espaço para o amendoim, o café e o cacau, que têm pouco alcance econômico. A naira, moeda local, já ficou no mesmo patamar do dólar. Hoje, 500 nairas equivalem a um dólar.
Para a cantora nigeriana Okwei Odili, que atualmente mora em Salvador, “as empresas de petróleo são as grandes responsáveis por essa crise”. Desde 1958, as petrolíferas do rio Níger começaram a transformar o paraíso de Ogoni, segundo relatos de Saro-Wiwa “numa paisagem lunar negra”.
Foram as operações de produção de petróleo que contaminaram o solo e representam cerca de 90% das receitas do governo. A exigência do MOSOP para que a população também tivesse direito aos lucros dessas empresas foi a principal causa da condenação e morte de Ken Saro-Wiwa.
A reparação da Shell pela morte de Ken Saro-Wiwa e mais oito ativistas
Para minimizar os efeitos negativos causados à sua imagem, a direção da Shell reconheceu em 2009, a sua responsabilidade pela morte de Saro-Wiwa e dos oito ativistas nigerianos. A empresa precisou de 14 anos para indenizar as famílias das vítimas, que receberam 15,5 milhões de dólares. Mas, a região do delta do rio Níger ainda vai precisar de muito tempo para se recuperar totalmente dos danos ambientais. Enquanto isso, o Racismo Cultural continua fazendo vítimas.
A cantora Odili fará uma homenagem para Ken Saro-Wiwa. Ela vai cantar ao vivo, em inglês, língua oficial da Nigéria, logo após a apresentação de Elisa Dassoler no canal do Debate Petroleiro, nesta terça-feira, 20/10, às 18h.
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📽️ Assista ao clipe produzido para essa edição especial do DP: https://www.facebook.com/DebatePetroleiro/videos/819495928806131
🎧 Escute a música “Suffer” de Okwei Odili que foi usada no clipe: https://www.youtube.com/watch?v=S38VvGyXSLY
📽️ Assista na íntegra o documentário “Ken Saro-Wiwa, presente!”: https://youtu.be/7laqD-pxqRc
📚 Também está disponível o livro “Ken Saro-Wiwa: arte e ativismo na luta por justiça ambiental”, da mesma autora. Acesse aqui:http://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/000080/000080d2.pdf