Por Rheberny Oliveira, Conselheiro de Administração Representante dos Funcionários do Banco
do Nordeste, Gerente Empresarial e Especialista em Controladoria e Finanças
As relações de trabalho são fluidas e vem se modificando ao longo do tempo de acordo com as necessidades e características de cada sociedade e período histórico. Disputas, negociações e acordos entre organizações e funcionários fazem parte dessa dinâmica, porém esse momento de pandemia propiciou uma mudança abrupta nessas relações. Em poucos meses, o mundo empresarial foi desafiado a viabilizar, em escala, uma modalidade de trabalho que já permeava o meio corporativo como tendência. Ancorado nas tecnologias da informação e da comunicação, o teletrabalho tornou-se opção imperativa para conciliar a ciranda econômica com as urgentes orientações de distanciamento social, trazendo à tona uma série de reflexões sobre oportunidades e riscos dessa modalidade para trabalhadores, empresas e sociedade.
Se para as empresas, a redução dos custos fixos com imóveis e com despesas representa uma vantagem efetiva do teletrabalho, para os empregados, o aumento da qualidade de vida e da produtividade, a autogestão do tempo, a maior proximidade com a família, o prolongamento da carreira e o aumento das oportunidades representam algumas das oportunidades que podem ser associadas a essa modalidade laboral. Nesse contexto, efeitos benéficos também podem ser percebidos pela sociedade, posto que a redução do deslocamento trabalho-residência tende a gerar impactos positivos no trânsito, no ordenamento urbano e no meio ambiente.
Por outro lado, é necessário compreender que esse conjunto de oportunidades carrega em si também alguns riscos, principalmente para os trabalhadores. A expansão do teletrabalho tende a fomentar um maior isolamento e individualismo dos empregados, além de sujeita-los à indissociabilidade de percepção entre o trabalho e o lar. Também são apontados como alguns fatores de risco o aumento das despesas domésticas com energia, alimentação, higienização, etc. e a falta de estrutura tecnológica e ergonômica. Estudos apontam que a percepção dos trabalhadores quanto a essas oportunidades e riscos não é homogênea, variando ao sabor de suas experiências individuais e de um conjunto de fatores de difícil parametrização.
Para além desses riscos individuais que tem a nítida possibilidade de serem mitigados com políticas organizacionais responsáveis, o teletrabalho apresenta um conjunto de ameaças mais abrangente na perspectiva da luta coletiva. Em um cenário político de ataque aos direitos trabalhistas e de insistente fragilização das garantias coletivas, como se dará a mobilização dos trabalhadores em trabalho remoto? Como se fomentar consciência de classe em um ambiente virtualizado? As características socioeconômicas do Brasil, que já carregam uma série de vulnerabilidades, e os exemplos de desobediência empresarial às leis trabalhistas indicam que a expansão do teletrabalho necessita ser precedida de um amplo debate com entidades de classe, parlamentares e sociedade civil organizada. Moderação e diálogo será essencial para construir uma estrutura modal justa e sociologicamente fundamentada que permita explorar as potencialidades do teletrabalho sem que se provoque uma flexibilização predatória de direitos e a fragilização das relações humanas. Esse será um dos grandes desafios do século.