Cãibra de nó é poesia em puro estado de concretude. Sentimentos materializados no corpo. Metaforizados na matéria que pulsa sangue e suor. Alma, se muito, como aquilo que se move, pelas articulações cerebrais e musculares. Adjetivações e elucubrações são escanteadas por Nívia Maria Vasconcelos. Sua poesia é concisa. Dura feito osso.
É o corpo (palavra que se repete, sem exaurir, em muitos poemas) quem guia os versos, as construções sonoras, as imagens. Mas, não o corpo carnal (docemente pecaminoso), como quase sempre se espera quando o mote vai no caminho platonicamente oposto ao do mundo das ideias. A poeta compõe o corpo longe e perto. Fora e visível (epidérmico). Dentro e inviável (visceral). E é desse modo que Nívia escreve sobre amores (de amada, de pai), desamores (de amada, de gente desalmada que vomita delinquências políticas), metalinguagens, filosofia à grega.
Às vezes, os poemas apresentam descontinuidades intencionais. Não há defeito. Qual dor se configura conclusiva? Até mesmo pontuais afirmações de cunho metafísico miram o corpo – preso à lembrança porque extinto. O corpo feminino a partir das entranhas remetendo, provocativa, o mito bíblico.
Em Cãibra de nó não há maniqueísmo. Os poemas sintetizam com rara destreza as intenções e necessidades corpóreas que se sobrepõem a perspectivas de ordem espiritual determinista ou psicologismos infames. Nívia olha para o próprio corpo e seus olhos miram outro corpo que é espelho do seu. O amor e o desejo ao feminino corpo, do que nele é palpável à lista infinita de elementos, dentro, ainda desconhecidos. Nessa aventura concreta, a poeta não deixa de cogitar a hipótese de que até mesmo o que, porventura, degrada o corpo pode, sim, ser o elixir do prazer da existência. E o lamento da matéria (da sua, em especial) que envelhece não sofre abordagem piegas nos equilibrados versos de Cãibra de nó.
Antônio Abujamra dizia, como um mantra, que “a vida é uma causa perdida.” Eu repeti tal frase até o dia em que chegou às minhas mãos, aos meus olhos, à minha cognição essa metade de um verso de Nívia Maria Vasconcelos que me valerá daqui para a frente até o exato momento em que meu corpo se extinguir: “[…] a vida é artifício e passa.”