Os pretos que se segurem

Por Jailton Andrade

Acordei cedo pra ver o resultado das eleições na Bahia depois de ter apagado acompanhando a votação para prefeitura de Salvador. Provavelmente o corpo fugiu dessa realidade que vou apresentar adiante.

Por ser petroleiro e dirigente sindical acompanhei a movimentação pré-eleitoral no sentido de apoiar Vilma Reis, nos sindicatos cutistas, e Olivia, nos sindicatos ctbistas, para a prefeitura de Salvador. Achávamos que o PT assim decidiria, como decidiu o PCdoB.

Quero aqui lembrar que, quando estávamos em campanha para o Senado em 2018, o SINDIPETRO-BA e tantos outros sindicatos apoiaram Lídice da Mata na composição com Jaques Wagner mas, por algum motivo sombrio apareceu o Ângelo Coronel como candidato e, de mãos dadas com Wagner, foram para Brasília.  O Na época, o presidente do PT na Bahia disse que “os líderes do sindicato podem tomar suas posições como cidadãos. Mas como instituição isso não é desse jeito na prática”. Na opinião dele era acertada a posição do governador Rui Costa de coligar com o PSD a abandonar o PSB.

Enquanto escrevo esse artigo, Mario Kertez publica um editorial criticando Wagner e Coronel:

Considero um desserviço deles, uma falta de respeito com a cidade de Salvador. Fazer política por fazer política a qualquer custo. Não falo nem de Ângelo Coronel, que estava para se aposentar como deputado estadual. Sabe quem foi que articulou primeiro para presidente da Assembleia? Bruno Reis, hoje prefeito eleito. Ele viu uma possibilidade de derrotar Marcelo Nilo, que insistia em continuar mais uma vez presidente da Assembleia para participar da chapa majoritária. São estes tipos de político que fazem pela política. Não querem saber de respeitar o povo, respeitar a cidade, o estado e nada. Querem se dar bem”

Se eu entendi direito, Bruno Reis é “padrinho” de Ângelo Coronel e a quem Mario está comparando Jaques Wagner. Pronto, achei a confirmação. Leia aqui.

Então, assim como ocorreu entre Lídice, candidata natural ao senado, e Coronel em 2018, assim ocorreu agora. Contrariando o imaginário sindical e dos movimentos sociais, principalmente do movimento negro, o governador anuncia o presidente do Bahia, Guilherme Bellintani, como sua tática na sucessão municipal.

Foto/divulgação ACM Neto

Homem branco, empresário e assustado, Bellintani trabalhara com ACM, o neto, por 5 anos e só saiu da prefeitura pra ser presidente do Bahia. Atualmente participa da APFUT – Autoridade Pública de Governança do Futebol, um comitê de fomento de Bolsonaro, onde participam também o CEO do Red Bull Bragantino, Thiago Scuro, e o diretor executivo da Ernst & Young, Pedro Daniel.

Só um parêntese, a Ernst & Young está envolvida num escândalo na Alemanha e o seu CEO está neste momento em prisão domiciliar depois de pagar uma fiança de R$ 38 milhões. Sumiram com US$ 2 bilhões de uma conta nas Filipinas.

O plano A do governo não era colocar uma mulher preta com história. Teria Olivia Santana, cujo Partido Comunista do Brasil sempre foi fiel ao PT e reúne muito mais atributos do que a Denice, e aqui não falo mal da major, sua inserção nas periferias da cidade onde a PM causa medo e desconfiança, foi um gesto muito desafiador e nobre. Falo de sua inexperiência militante e ausência de capilaridade. Mas muitos partidários e militantes do PT votaram em Olivia, pela presença, nela, desses atributos.

E aí forçou-se um fractal político onde o PCdoB vai com o PP, o PT com o PSB manchado com o escanteamento de Lídice, o PSOL sozinho porque não encontra coerência numa aliança com essa esquerda estranha.

Essa foi a escolha do governador. Para concorrer à sucessão da capital mais negra fora da África, Rui Costa veta a candidatura de Vilma Reis, uma histórica militante do PT, mulher preta, rastafári e experiente nos movimentos sociais e na luta por Direitos Humanos, finge ignorar o PCdoB com Olivia Santana que é militante de carreira no estado e no governo da Bahia, para emplacar um empresário branco, militante de ACM e misturado com multinacionais oblíquas.

Bom. Em algum momento depois de um jantar com ACM, o presidente do Bahia desistiu de se coligar com Rui. Como sua gestão no Bahia acaba esse ano, se não vencer a reeleição no Bahia, é provável que ele volte para a prefeitura com Bruno Reis e Gustavo Ferraz, aquele cuja impressão digital foi encontrada nos R$ 51 milhões de Geddel. Gustavo tentou ser vereador por Lauro de Freitas (PSC), mas só conseguiu 249 votos. É complicado vencer eleições tendo que se esconder dos holofotes.

O deputado Rosemberg Pinto já havia se manifestado pelo Bellintani. Declarando que o afastamento do gestor do Bahia se deu em função das críticas internas:

“Como é que eu quero trazer alguém para o partido e eu já começo dizendo que ele tem que participar de uma eleição interna com a militância que ele nunca viu, nunca conheceu; ou seja, isso é muito mais inibidor do que um atrativo para alguém vir para o PT”

Com a negativa de Bellintani, Rui Costa e Jaques Wagner se viram obrigados a convencer a major Denice à candidatura, agora trazendo pra vice o PSB que preteriu para o Senado. A major teve que se filiar ao PT de última hora.

Isidório, uma verdareira assombração, para todos os partidos e um risco para a cidade, que teve 169.807 votos em Salvador para deputado, correu por fora e agora amarga um terceiro lugar com 64.728 votos, 5,33% do total.

Enquanto isso ACM trabalhou uma frente ampla com 15 partidos e venceu os últimos escrúpulos de Ciro Gomes. Seu PDT agora está na base de governo do DEM com a vitória expressiva de Bruno Reis ontem. Enquanto ACM, o neto, faz seu sucessor com 64,2%, Rui Costa amarga 18,8% com sua insistência e apropriação do slogan “Agora é ela”.

Com isso, muitos partidários não votaram com o PT e alguns sindicatos, constrangidos, fragilizaram suas narrativas contra a presença de militares nos governos. A violência com que se reprime atividades sindicais de rua e no carnaval, foi temporariamente esquecida para dar lugar ao apoio pálido à major Denice, conforme desejo do governador e sua nova corrente política no PT formada de três.

Nada adiantou. A qualidade do asfalto que cobriu a cidade nas últimas semanas mostra a pressa em acalentar o povo para o continuísmo e, mesmo envolta de lixo, a propaganda do governo municipal funcionou.

Bairro de Plataforma. Foto Jailton Andrade

Pra ratificar tudo escrito até aqui enquanto Bruno e ACM comemoravam a vitória constrangedora, os líderes políticos da major não compareceram à coletiva dela, no final de festa, pra dizer “estamos com você na alegria ou na tristeza”. Talvez tenha sido essa a preocupação do Guilherme Bellintani, ser abandonado depois.

Com essas ações ou inações o governador da Bahia, além de perder força enquanto articulista, enfraqueceu o PT e os partidos que historicamente acompanharam o partido como o PCdoB e o PSB. Sua dívida também é para com os movimentos sociais, sobretudo o movimento negro baiano, maioria populacional que já era escanteada antes de suas atrapalhadas.

Por tudo isso, ou por nada, Salvador continuará nos próximos 4 anos com o executivo e o legislativo eminentemente brancos, fisiologistas e sem vontade de pensar o povo.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *